Saltar para o conteúdo

Grupo modular

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
 Nota: Para um grupo cujo reticulado de subgrupos é modular, veja grupo de Iwasawa.

Em matemática, o grupo modular é o grupo linear especial projetivo PSL(2, Z) de matrizes 2 × 2 com coeficientes inteiros e determinante um. As matrizes A e A são identificadas. O grupo modular age na metade superior do plano complexo por meio de transformações fracionárias lineares, e o nome "grupo modular" vem da relação com espaços de módulos e não da aritmética modular.

O grupo modular Γ é o grupo das transformações fracionárias lineares da metade superior do plano complexo, que têm a forma

em que a, b, c, d são inteiros e adbc = 1. A operação do grupo é a composição de funções.

Este grupo de transformações é isomorfo ao grupo linear especial projetivo PSL(2, Z), que é o quociente do grupo linear especial bidimensional SL(2, Z) sobre os inteiros por seu centro {I, −I}. Em outras palavras, PSL(2, Z) consiste em todas as matrizes

em que a, b, c, d são inteiros, adbc = 1, e pares de matrizes A e A são considerados idênticos. A operação do grupo é a multiplicação de matrizes usual.

Alguns autores definem o grupo modular como PSL(2, Z), e ainda outros definem o grupo modular como o grupo maior SL(2, Z).

Algumas relações matemáticas requerem a consideração do grupo GL(2, Z) de matrizes com determinante mais ou menos um. (SL(2, Z) é um subgrupo deste grupo.) Da mesma forma, PGL(2, Z) é o grupo quociente GL(2, Z)/{I, −I}. Uma matriz 2 × 2 com determinante unitário é uma matriz simplética e, portanto, SL(2, Z) = Sp(2, Z), o grupo simplético de matrizes 2 × 2.

Obtenção dos elementos

[editar | editar código-fonte]

Para encontrar elementos de SL(2, Z) explicitamente, há um truque que consiste em considerar dois inteiros coprimos , colocá-los na matriz e resolver a equação determinante Observe que a equação do determinante força que sejam coprimos, pois caso contrário haveria um fator de tal modo que , , consequentemente não teria soluções inteiras. Por exemplo, se então a equação do determinante se torna então tomando e obtém-se , consequentemente é uma das matrizes. Então, usando a projeção, tais matrizes definem elementos em PSL(2, Z).

Propriedades da teoria dos números

[editar | editar código-fonte]

O determinante unitário de

implica que as frações ab, ac, cd, bd são todas irredutíveis, isto é, não têm fatores comuns (desde que os denominadores não sejam nulos, é claro). Mais geralmente, se pq é uma fração na forma irredutível, então

também é irredutível (novamente, desde que o denominador seja diferente de zero). Qualquer par de frações irredutíveis pode ser conectado dessa maneira; isto é, para qualquer par de frações irredutíveis pq e rs, existem elementos

de tal modo que

Elementos do grupo modular fornecem uma simetria no reticulado bidimensional. Sejam ω1 e ω2 dois números complexos cuja razão não é real. Então o conjunto de pontos

é um reticulado de paralelogramos no plano. Um par diferente de vetores α1 e α2 irá gerar exatamente a mesma rede se, e somente se,

para alguma matriz em GL(2, Z). É por esta razão que as funções duplamente periódicas, como as funções elípticas, possuem uma simetria de grupo modular.

A ação do grupo modular sobre os números racionais pode ser mais facilmente compreendida visualizando-se uma grade quadrada, com o ponto da grade (p, q) correspondendo à fração pq (ver pomar de Euclides). Uma fração irredutível é aquela que é visível a partir da origem; a ação do grupo modular sobre uma fração nunca leva uma visível (irredutível) a uma oculta (redutível), e vice-versa.

Observe que qualquer membro do grupo modular mapeia a reta real estendida projetivamente biunivocamente consigo mesma e, além disso, mapeia bijetivamente a reta racional estendida projetivamente (os racionais com o infinito) consigo mesma, os irracionais com os irracionais, os números transcendentes com os números transcendentais, os números não reais com os números não reais, o semiplano superior com o semiplano superior, etc.

Se pn−1qn−1 e pnqn são dois convergentes sucessivos de uma fração contínua, então a matriz

pertence a GL(2, Z). Em particular, se bcad = 1 para inteiros positivos a, b, c, d com a < b e c < d então ab e cd serão vizinhos na sequência de Farey de ordem max(b, d). Casos especiais importantes de convergentes de frações contínuas incluem os números de Fibonacci e as soluções para a equação de Pell. Em ambos os casos, os números podem ser organizados para formar um semigrupo que é subconjunto do grupo modular.

Propriedades da teoria de grupos

[editar | editar código-fonte]

Apresentação

[editar | editar código-fonte]

Pode-se mostrar que o grupo modular pode ser gerado pelas duas transformações

de modo que todo elemento do grupo modular pode ser representado (de forma não única) pela composição de potências de S e T. Geometricamente, S representa a inversão no círculo unitário seguida pela reflexão em relação ao eixo imaginário, enquanto T representa uma translação de uma unidade para a direita.

Os geradores S e T obedecem às relações e (ST)3 = 1. Pode-se mostrar[1] que estes são um conjunto completo de relações, portanto o grupo modular tem a presentação:

Esta presentação descreve o grupo modular como o grupo triangular rotacional D(2, 3, ∞) (infinito, pois não há relação em T) e, portanto, pode ser mapeado sobre cada grupo triângular (2, 3, n) adicionando a relação , que ocorre, por exemplo, no subgrupo de congruência Γ(n).

Usando os geradores S e ST em vez de S e T, mostra-se que o grupo modular é isomorfo ao produto livre dos grupos cíclicos C2 e C3:

Grupo de trança

[editar | editar código-fonte]
O grupo de trança B3 é a extensão central universal do grupo modular

O grupo de tranças B3 é a extensão central universal do grupo modular, com estes sendo reticulados dentro do grupo de cobertura universal (topológico) SL2(R) → PSL2(R). Além disso, o grupo modular tem um centro trivial e, portanto, o grupo modular é isomorfo ao grupo quociente de B3 por seu centro; equivalentemente, ao grupo de automorfismos internos de B3.

O grupo de tranças B3 por sua vez, é isomorfo ao grupo de nós do nó trifólio.

Os quocientes por subgrupos de congruência são de interesse significativo.

Outros quocientes importantes são os grupos triangulares (2, 3, n), que correspondem geometricamente a descer em um cilindro, quocientando a coordenada x módulo n, como . O grupo triangular (2, 3, 5) é o grupo de simetria icosaédrica, e o grupo triangular (e os ladrilhos associados) é a cobertura para todas as superfícies de Hurwitz.

Apresentação como um grupo matricial

[editar | editar código-fonte]

O grupo pode ser gerado pelas duas matrizes[2]

como

A projeção transforma essas matrizes em geradores de , com relações semelhantes às da presentação do grupo.

Relação com a geometria hiperbólica

[editar | editar código-fonte]

O grupo modular é importante porque forma um subgrupo do grupo das isometrias do plano hiperbólico. Se considerarmos o modelo de meio plano superior H da geometria plana hiperbólica, então o grupo de todas isometrias que preservam a orientação de H consiste em todas as transformações de Möbius da forma

em que a, b, c, d são inteiros, em vez dos números reais usuais, e adbc = 1. Em termos de coordenadas projetivas, o grupo PSL(2, R) age sobre o semiplano superior H por projetividade:

Esta ação é fiel. Uma vez que PSL(2, Z) é um subgrupo de PSL(2, R), o grupo modular é um subgrupo do grupo de isometrias que preservam a orientação de H.[3]

Tesselação do plano hiperbólico

[editar | editar código-fonte]
Um domínio fundamental típico para a ação de Γ sobre o semiplano superior

O grupo modular Γ age sobre H como um subgrupo discreto de PSL(2, R), ou seja, para cada z em H podemos encontrar uma vizinhança de z que não contém nenhum outro elemento da órbita de z. Isso também significa que podemos construir domínios fundamentais, que (aproximadamente) contêm exatamente um representante da órbita de cada z em H (É necessário cuidado com a fronteira do domínio.)

Existem muitas maneiras de construir um domínio fundamental, mas uma escolha comum é a região

delimitada pelas retas verticais Re(z) = 12 e Re(z) = −12, e a circunferência . Esta região é um triângulo hiperbólico. Ela tem vértices em 12 + i32 e 12 + i32, onde o ângulo entre as arestas é π3, e um terceiro vértice no infinito, onde o ângulo entre suas arestas é 0.

A transformação desta região pelos elementos do grupo modular, dá origem a uma tesselação regular do plano hiperbólico por triângulos hiperbólicos congruentes conhecida como mosaico triangular de ordem infinita V6.6.∞. Observe que cada um destes triângulos tem um vértice no infinito ou no eixo real Im(z) = 0. Esse mosaico pode ser estendido ao disco de Poincaré, onde cada triângulo hiperbólico tem um vértice na fronteira do disco. O mosaico do disco de Poincaré é dado de forma natural pelo J-invariante, que é invariante sob o grupo modular, e atinge todos os números complexos uma vez em cada triângulo dessas regiões.

Este mosaico pode ser ligeiramente refinado, dividindo cada região em duas metades (convencionalmente coloridas em preto e branco), adicionando uma transformação que inverte a orientação; então as cores correspondem à orientação do domínio. Adicionando (x, y) ↦ (−x, y) e tomando a metade direita da região R (onde Re(z) ≥ 0) obtém-se a tesselação usual. Este mosaico aparece pela primeira vez publicado em (Klein 1878/79a),[4] onde é creditado a Richard Dedekind, em referência a (Dedekind 1877).[5]

Visualização da transformação (2, 3, ∞) → (2, 3, 7) transformando os mosaicos associados.[6]

A transformação de grupos (2, 3, ∞) → (2, 3, n) (do grupo modular para o grupo triangular) pode ser visualizada em termos desse mosaico (produzindo um mosaico na curva modular), conforme representado no vídeo à direita.


Subgrupos de congruência

[editar | editar código-fonte]
Ver artigo principal: Subgrupo de congruência

Alguns subgrupos importantes do grupo modular Γ, chamados subgrupos de congruência, são dados impondo relações de congruência nas matrizes associadas.

Existe um homomorfismo natural SL(2, Z) → SL(2, Z/NZ) dado pela redução das entradas módulo N. Isso induz um homomorfismo no grupo modular PSL(2, Z) → PSL(2, Z/NZ). O núcleo desse homomorfismo é chamado de subgrupo de congruência principal de nível N, denotado por Γ(N). Tem-se a seguinte sequência exata curta:

.

Sendo o núcleo de um homomorfismo, Γ(N) é um subgrupo normal do grupo modular Γ. O grupo Γ(N) é dado como o conjunto de todas as transformações modulares

em que ad ≡ ±1 (mod N) e bc ≡ 0 (mod N).

É fácil mostrar que o traço de uma matriz que representa um elemento de Γ(N) não pode ser -1, 0 ou 1, portanto, esses subgrupos são grupos livres de torção. (Existem outros subgrupos sem torção.)

O subgrupo principal de congruência de nível 2, Γ(2), também é chamado de grupo modular Λ. Visto que PSL(2, Z/2Z) é isomorfo a S3, Λ é um subgrupo do índice 6. O grupo Λ consiste de todas as transformações modulares em que a e d são ímpares e b e c são pares.

Outra família importante de subgrupos de congruência é o grupo modular grupo modular Γ0(N) definido como o conjunto de todas as transformações modulares para as quais c ≡ 0 (mod N), ou equivalentemente, como o subgrupo cujas matrizes tornam-se triangulares superiores após a redução módulo N. Observe que Γ(N) é um subgrupo de Γ0(N). As curvas modulares associadas a esses grupos são um aspecto do monstrous moonshine - para um número primo p, a curva modular do normalizador é gênero zero se, e somente se, p divide a ordem do grupo monstro, ou equivalentemente, se p é um primo supersingular.

Monoide diádico

[editar | editar código-fonte]

Um subconjunto importante do grupo modular é o monoide diádico, que é o monoide de todas as strings da forma para inteiros positivos k, m, n,.... Este monoide ocorre naturalmente no estudo das curvas fractais e descreve as simetrias de autossimilaridade da função de Cantor, da função ponto de interrogação de Minkowski e do floco de neve de Koch, cada uma sendo um caso especial da curva de de Rham geral. O monoide também tem representações lineares de dimensões superiores; por exemplo, a representação N = 3 pode ser entendida para descrever a autossimetria da curva de manjar branco.

Aplicações do toro

[editar | editar código-fonte]

O grupo GL(2, Z) consiste das transformações lineares que preservam o reticulado padrão Z2, e SL(2, Z) são as transformações que preservam a orientação e que preservam este reticulado; elas, portanto, se traduzem em auto-homeomorfismos do toro (SL sendo mapeado para transformações que preservam a orientação), e de fato correspondem isomorficamente ao grupo (estendido) de classes de aplicações do toro, o que significa que todo auto-homeomorfismo do toro é isotópico a uma aplicação desta forma. As propriedades algébricas de uma matriz como elemento de GL(2, Z) correspondem à dinâmica da aplicação induzida no toro.

Grupos de Hecke

[editar | editar código-fonte]

O grupo modular pode ser generalizado para os grupos de Hecke, nomeados em homenagem a Erich Hecke e definido como segue.[7]

O grupo de Hecke Hq com q ≥ 3, é o grupo discreto gerado por

em que λq = 2 cos πq. Para pequenos valores de q ≥ 3, tem-se:

O grupo modular Γ é isomorfo a H3 e eles têm propriedades e aplicações em comum - por exemplo, assim como tem-se o produto livre de grupos cíclicos

mais geralmente tem-se

que corresponde ao grupo triangular (2, q, ∞). Da mesma forma, há uma noção de subgrupos de congruência principais associados aos ideais principais em Z[λ].

O grupo modular e seus subgrupos foram estudados em detalhes pela primeira vez por Richard Dedekind e por Felix Klein como parte de seu programa Erlangen na década de 1870. No entanto, as funções elípticas intimamente relacionadas foram estudadas por Joseph Louis Lagrange em 1785, e outros resultados sobre funções elípticas foram publicados por Carl Gustav Jakob Jacobi e Niels Henrik Abel em 1827.

  1. Alperin, Roger C. (abril de 1993). «PSL2(Z) = Z2Z3». Amer. Math. Monthly. 100: 385–386. JSTOR 2324963. doi:10.2307/2324963 
  2. Conrad, Keith. «SL(2,Z)» (PDF) 
  3. McCreary, Paul R.; Murphy, Teri Jo; Carter, Christian. «The Modular Group» (PDF). The Mathematica Journal. 9 
  4. Le Bruyn, Lieven (22 de abril de 2008), Dedekind or Klein? 
  5. Stillwell, John (janeiro de 2001). «Modular Miracles». The American Mathematical Monthly. 108: 70–76. ISSN 0002-9890. JSTOR 2695682. doi:10.2307/2695682 
  6. Westendorp, Gerard. «Platonic tessellations of Riemann surfaces». www.xs4all.nl 
  7. Rosenberger, Gerhard; Fine, Benjamin; Gaglione, Anthony M.; Spellman, Dennis. Combinatorial Group Theory, Discrete Groups, and Number Theory. [S.l.: s.n.]